24 de jan. de 2011

Entrevista exclusiva de Wagner de Assis à 2001 Vídeo


Wagner de Assis

UMA FORTE MENSAGEM ESPIRITUAL

Direto do Rio de Janeiro, o diretor Wagner de Assis, de Nosso Lar, concedeu entrevista exclusiva para a equipe da 2001 Vídeo, e falou sobre filmes espíritas, efeitos especiais, orçamentos e Philip Glass, entre outros assuntos.

Como foi encarar o desafio de adaptar para o cinema um livro tão lido quanto Nosso Lar?
Como uma grande responsabilidade, reconhecendo e entendendo o quão importante seria esse trabalho, tentando fazer jus no cinema ao sucesso na literatura, e tentando fazer um filme que atendesse à grande diversidade do público que vai ao cinema, ou das pessoas que gostam de ver histórias legais. E que também atendesse às regrinhas de cinema: que não deixasse de emocionar e de ser interessante, de provocar pensamentos.

Quais foram as maiores dificuldades encontradas pela produção?
Posso dizer que todos os dias nós tínhamos dificuldades novas, umas maiores que as outras. Navegamos em um universo em que tínhamos quase nenhum conhecimento técnico, que é o mundo dos efeitos visuais. Tínhamos uma equipe grande dos EUA e do Canadá que acompanhou as filmagens justamente para nos ajudar a resolver as questões técnicas que apareceram. O tempo todo estávamos lidando com uma cidade que não existe, só existia dentro do computador; o tempo todo estávamos lidando com cenários que estavam incompletos e que seriam acrescidos digitalmente; o tempo todo os atores estavam lidando com o pano azul do chroma key. Tudo era um grande desafio, uma grande aventura de desafios.

Nosso Lar tem uma forte mensagem espírita em seu enredo. Você acredita que seguidores de outras religiões possam assimilar e compreender essa mensagem?

Na verdade, trabalhamos com o conceito de que o filme tem uma mensagem universal. Essa mensagem tem ressonância na temática espírita, fala sobre ação e reação, lei de causa e efeito; fala sobre saudade e sobre a possibilidade de vida após a morte; fala sobre uma idéia de como seria a vida após a morte; fala sobre quanto uma atitude positiva pode gerar coisas positivas no futuro. Isso tem ressonância muito grande na doutrina espírita, mas eu fiquei muito feliz de ver que os judeus, os católicos, os evangélicos, os mórmons, os hindus, os budistas e mesmo os ateus, os agnósticos, muitas pessoas que trabalham e vivenciam outras religiões, entenderam esse aspecto universal da mensagem. A ideia da vida após a morte ficou muito marcada na doutrina espírita, mas todas as religiões falam alguma coisa da existência após a morte do corpo físico. Todas. Então, eu diria que o filme tem uma respiração espiritualista, uma ressonância muito grande na doutrina espírita, mas que ele é universal. Os temas dizem respeito a toda a condição humana.

Depois do sucesso do seu filme e de Chico Xavier, de Daniel Filho, você acredita que há um novo gênero no cinema nacional, o filme espírita?

Acho que não. Acredito que um dia possa existir um gênero chamado espírita. Talvez esses dois filmes tenham ressonância na temática espírita; o Nosso Lar muito mais, pois vem de um livro que faz parte do movimento espírita. Mas Chico Xavier é uma cinebiografia e o meu filme é um drama. Enquanto gêneros cinematográficos, eles são muito bem definidos.

Você acha que você possa ter fomentado o surgimento de um novo gênero?

Eu adoraria saber como seria esse gênero. Posso dizer que sim, mas eu estaria só supondo. Como seria esse novo gênero? Quais seriam as bases dramáticas desse gênero? Eu não teria nada contra. Se ele existir, eu trabalharia feliz da vida, e de repente tentaria contar histórias através desse gênero. Mas eu não saberia dizer como seria esse gênero de filme espírita. É igual as pessoas falarem de favela movie, porque se passa em um lugar pobre. Mas, no fundo, são dramas, aventuras. É uma forma de minimizar e de não abordar de maneira mais correta o gênero cinematográfico.

Para os padrões da nossa indústria, o orçamento [aproximadamente R$ 20 milhões] de Nosso Lar foi alto. Como foi lidar com esse orçamento?

Gastando cada centavo nos efeitos visuais, nos cenários grandiosos. Na verdade, não planejamos fazer o filme mais caro do cinema nacional. Fomos descobrindo que era necessário mais dinheiro porque fazer efeito visual é caro. Por mais que seja viável hoje em dia, ainda é caro. O limite do efeito visual e da imaginação no efeito visual é o dinheiro. Esse filme poderia certamente custar três vezes mais, facilmente. Então, as escolhas que fizemos foram em função de orçamento, sim. Podemos dizer que é um orçamento pequeno para um padrão de filme de efeitos visuais que estamos apresentando.

Um dos fortes apelos do filme é o seu elenco. Como se deu o processo de seleção e preparação?

Foi bem tranqüilo. Fizemos testes para alguns personagens. A Renata Pietro foi depois de um tempo percebendo, fazendo testes de maquiagem, a possibilidade de apostar em um homem que trabalhava há mais de cinco anos no teatro em peças de mesmo gênero. Enfim, nenhum critério predefinido para escolher o ator. Era sempre aquele momento mágico de você ver o ator e ver que ele pode fazer o personagem. É um momento muito difícil, devo confessar; é um momento em que você erra muito no cinema e no qual esperamos muito ter acertado.

Como foi trabalhar com a Intelligent Creatures [empresa canadense responsável pelos efeitos especiais de Watchmen – O Filme e A Loja Mágica de Brinquedos, entre outros filmes]?
Eles têm experiência em filmes de estúdio hollywoodianos, mas ao mesmo tempo têm experiência em filmes de arte e independentes, ou seja, os profissionais de lá sabem lidar com as carências do produtor independente e o ajudam a resolver problemas de computação gráfica. Nós tivemos um supervisor de efeitos visuais no set. Logo depois das filmagens, transferimos tudo para o Canadá, onde, ao longo de nove meses, foram feitas mais de 300 imagens com algum tipo de inserção visual.

Outro nome estrangeiro que chama a atenção é o de Philip Glass [músico minimalista, compositor da trilha da trilogia Qatsi, entre outros filmes]. Como surgiu essa idéia? E como a produção chegou até ele?

Achei que era o compositor ideal para fazer uma música que tinha toda essa inspiração do tema espiritualista. Falei isso para Iafa Britz [produtora do filme] e aí ela disse “não custa nada tentar”. O Philip já esteve no Brasil, trabalhou com a Monique Gardenberg; ele tinha feito uma música para o filme Jenipapo [de 1995, inédito em DVD]. Ela conseguiu um contato e falou inicialmente sobre o que era, mandou um roteiro para ele. Ele gostou. Então, a gente foi lá e os procedimentos começaram. Ele tinha um tempo na agenda, absolutamente tomada, e foi maravilhoso. Nós gravamos pela primeira vez com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Fizemos uma trilha que ficou tão bonita que hoje foi virou um CD e foi vendida à beça pela Biscoito Fino.

Como você analisa este ano em que três filmes brasileiros chegaram, até o momento, entre as dez maiores bilheterias?

É um ano feliz, que tem dois filmes muito fortes, um sobre o homem e outro sobre sua obra mais importante, Chico Xavier e Nosso Lar, e que tem um fenômeno, Tropa de Elite 2. É um ano que unifica de uma vez por todas o cinema brasileiro do passado e do presente. Deveria ser um ano em que o termo Retomada acabaria, e a gente teria um cinema só, sem precisar mais fazer comparações com o passado, ou seja, o cinema é um só e os filmes brasileiros entram cada vez mais na pauta cultural do povo brasileiro. Isso é bacana, é muito feliz; é o resultado de muito trabalho de muita gente competente que está no mercado há muitos anos.


Fonte: 2001 Vídeo

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